quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

O Presidente não lê - Por Roberto DaMatta

Numa terra de cegos, quem tem um olho é rei. Num país de gente sedenta e carente de leitura, é desanimador e melancólico descobrir que o presidente da República, o sujeito mais importante e poderoso do sistema; a figura a quem devemos respeito e lealdade pelo cargo que ocupa; que representa não só um partido ou posição política e econômica, mas - como supremo magistrado da nação - todos nós; o homem numero 1 do país não lê. Mais: em entrevista ao jornalista Mário Sérgio Conti, para a revista "Piauí", ele declara que, quando tenta fazê-lo, tem azia. Ademais, descobrimos que ele fez como o pior presidente que os americanos jamais tiveram, George W. Bush, pois dele veio a cópia de uma estrutura palaciana montada para evitar a leitura. Para um sujeito como eu, que vive para os livros e de livros, e que morreria sem livros; para quem a leitura tem sido um meio de dar sentido à vida e de lidar com o amor, com a perda, com o sucesso, com a raiva, o trabalho e com a morte, saber dessa antipatia à leitura é - digo-o sinceramente e com o coração na mão - chocante, inacreditável, triste, devastador.Para quem tem na leitura não só uma fonte de informação e sabedoria, mas os motivos para viver, como é o caso dos professores, escritores, educadores, ensaístas, legisladores, pensadores e jornalistas; funcionários e intérpretes das normas legais, cujo trabalho consiste em aplicar regulamentos, decidindo a todo instante o que é correto, descobrir que o presidente não lê é uma bofetada na cara!Vejam bem, há contradições triviais. O padre pecador, o ateu crédulo, o professor ignorante, o médico hipocondríaco, o economista pobre, o pastor malandro, o jornalista venal, o desembargador corrupto, o policial criminoso e o político sem caráter. Mas todos leem! Todos se informam por meio de amigos e auxiliares, mas não abandonam o contato direto com a fonte: esse foco indispensável ao conhecimento do mundo. Esse mundo feito de representações codificadas, de palavras e algarismos articulados numa determinada intenção e estrutura. Estivesse eu dizendo o que digo por meio de rimas, o efeito seria diferente. É por causa disso que eu não posso me conformar com um presidente que não lê.O que saiu na revista deve ser um engano. Estou seguro que o presidente lê. Lula estava simplesmente brincando com o entrevistador. Ressentido ou ofendido com alguns jornais e revistas, o presidente usou o manto da ironia e resolveu chocar o estabelecimento jornalístico, dizendo que não lê. Não posso acreditar que o servidor público mais importante do meu país, apreenda o mundo apenas por meio do ouvido. Sendo instruído e informado sobre os eventos e ideias deste nosso mundo conturbado somente por meio de conversas permeadas pelo ponto de vista e emoções dos seus interlocutores. Não posso crer que o presidente se contente em apenas ouvir o canto do galo, sem jamais vê-lo em pessoa. Que ele não tenha nenhum momento a sós consigo mesmo, no qual - com um texto na frente dos olhos - coloque para dentro de seu ser, por meio da leitura solitária e individualizadora, aquilo que o autor da narrativa explicita, revela, ensina, critica, pede, descobre, interpreta, anuncia, reitera, louva, interroga, suspeita, ou condena.Quando o presidente diz que não lê, ele envia uma poderosa mensagem à sociedade que o elegeu. No fundo, ele diz que o discernimento pode ser alcançado por vias externas. Os laços sociais substituem a experiência da leitura que usualmente vai dos jornais e revistas para os livros. O que impressiona não é apenas o fato de o homem não ler. É o fato de ele estar seguro de que é mesmo possível saber das coisas por tabela e em segunda mão, por meio de olhos alheios. Sem a visão direta, interiorizada, individualizada e subjetiva dos fatos e problemas porque eles podem ser assimilados através dos outros. E que ele não leva a sério a imprensa livre e contraditória que, como ele mesmo admite, foi decisiva na sua eleição.A leitura vai muito além da informação. Ela mostra que os fatos são sempre inventados, relativos e determinados por perspectivas. Um mesmo "fato" pode produzir pontos de vista diversos, relativos a um mesmo dilema ou questão. Num mundo permeado por contradições, a leitura é um instrumento privilegiado para entendê-las e eventualmente superá-las.Em estado de choque, penso na lição daquele Machado de Assis que - diga-se logo - não pode deixar de ser lido, quando ensinou que quem conta um conto aumenta (e necessariamente subtrai) um ponto. As versões pessoais, a apreensão marcante, sempre surgem da leitura em primeira mão. Como um sujeito que morreria sem os livros, como uma pessoa cuja profissão é ensinar a ler e que vive de leitores, eu sou obrigado a imaginar que essa entrevista é, no mínimo, um conto; e, no máximo, uma catastrófica notícia.

O Gosto Pela Imprensa Oficial - Por Merval Pereira

O jornalista Ricardo Kotscho, primeiro assessor de imprensa do presidente Lula, ensinou a ele a diferença entre notícia e propaganda: notícia é tudo aquilo que o governo não quer ver publicado. O resto é propaganda. Mas Lula, ao que tudo indica, não aprendeu.
Dando sequência a diversas declarações espaçadas com críticas à imprensa, que considera que só vê o lado negativo, o número de janeiro da revista Piauí traz uma reveladora entrevista do presidente feita pelo editor-chefe da revista, Mario Sergio Conti, especificamente sobre sua relação com a imprensa, uma relação, do seu ponto de vista, tumultuada e injusta desde que assumiu a Presidência da República, em 2003.
Mas, a se julgar pelo que está dito na entrevista, o que está tumultuada é a capacidade de julgamento do próprio presidente, a começar pelo fato de que ele admite que não lê jornais e revistas, não acessa a internet para ler notícias, não lê blogs de jornalismo, não vê televisão, porque tem azia.
Pouca leitura
Embora passe a entrevista reafirmando a importância da liberdade de imprensa e que não quer que apenas falem bem dele, o presidente Lula revela todo o seu desagrado com o noticiário crítico e, assim como quando se vangloria de ter chegado à Presidência sem ter uma educação formal estimula a falta de estudos, desqualifica a importância da imprensa na vida do país.
Então, como se informa o presidente da República? Além das audiências, onde recebe representantes da sociedade brasileira que lhe transmitem suas opiniões e sensações que seriam, segundo ele, um painel amplo do que acontece no país, Lula recebe informações especialmente de dois assessores diretos: de Clara Ant, assessora especial, e do jornalista Franklin Martins, ministro da Comunicação Social.
Quando consideram que merece a atenção do presidente, eles até lhes levam recortes de jornais e vídeos de reportagens. Na maior parte das vezes, porém, o que lhes transmitem, como fica claro na entrevista de Lula, são suas opiniões pessoais sobre o que está sendo publicado.
Clara Ant, por exemplo, conta que fica revoltada quando insinuam que o presidente Lula não gosta de ler. Na Casa Branca, diz ela, os relatórios que saem de uma imensa estrutura de seleção e análise de notícias acabam em um documento para a secretária de Estado, Condoleezza Rice, em pequenos parágrafos de não mais de quatro linhas cada.
O que Clara Ant não conta, ou não sabe, é que é assim porque também o presidente George Bush não é muito chegado a uma leitura.
Quem conta é Richard Clarke, chefe do conselho de contraterrorismo da Casa Branca, no número de fevereiro da revista Vanity Fair, já nas bancas: "No início da administração, Condy Rice e seu adjunto, Steve Hadley, disseram francamente: não deem ao presidente um bando de longos memorandos. Ele não é um grande leitor".
Cão de guarda
Temos então um presidente que confessadamente se informa do que acontece pelo mundo ou com assessores que pensam como ele, ou com pessoas que pediram uma audiência e dificilmente vão ao Palácio do Planalto para criticar, mas para pedir favores ou decisões do governo.
Mas tanto o presidente Lula quanto o ministro Franklin Martins têm opiniões muito parecidas sobre a importância da grande imprensa. Os dois acham que o surgimento de canais de informações alternativos, com os novos meios tecnológicos, dá mais pluralidade ao noticiário e neutraliza a influência dos formadores de opinião, o que ajudaria o presidente Lula, em última análise.
Embutida nessa tese está a teoria da conspiração de que os grandes veículos de informação estão unidos contra o governo Lula. Em mais uma incongruência, Lula repete na entrevista uma tese que já havia firmado anteriormente, de que ele só chegou à Presidência graças à liberdade de imprensa existente no país.
Já que escrevo dos Estados Unidos, não é demais relembrar o grande jornalista Jack Anderson, considerado o pai do jornalismo investigativo, segundo quem a necessidade de a imprensa ocupar um lugar antagônico ao governo foi percebida com clareza pelos fundadores dos Estados Unidos, e por isso tornaram a liberdade de imprensa a primeira garantia da Carta de Direitos.
"Sem liberdade de imprensa, sabiam, as outras liberdades desmoronariam. Porque o governo, devido à sua própria natureza, tende à opressão. E o governo, sem um cão de guarda, logo passa a oprimir o povo a que deve servir".
Notícia e propaganda
Thomas Jefferson entendeu que a imprensa, tal como o cão de guarda, deve ter liberdade para criticar e condenar, desmascarar e antagonizar.
"Se me coubesse decidir se deveríamos ter um governo sem jornais ou jornais sem um governo, não hesitaria um momento em preferir a última solução", escreveu ele.
Para o ex-presidente americano, o caminho mais eficiente até hoje encontrado para a busca da verdade é a liberdade da imprensa.
"Por isso, é o primeiro a ser fechado por aqueles que receiam a investigação de suas ações".
A visão de Lula talvez se aproximasse mais da realidade, e ele saberia mais cedo que o mundo estava numa crise de proporções bem superiores a uma marolinha se, como todo cidadão interessado no país, lesse jornais, revistas, visse o noticiário da televisão, lesse os blogs, se informasse, enfim, com a pluralidade que a democracia oferece, e não apenas com subordinados ou dependentes.
Os canais de informação do presidente, porém, estão mais para propaganda do que para notícia. Ele montou uma estrutura de propaganda que não há no país talvez desde a Era Vargas, coroada pela criação de uma TV oficial, assim como Evo Morales está lançando um jornal oficial na Bolívia.Do que eles gostam mesmo é de uma imprensa oficial.

A dura relação do presidente com a imprensa - Por Ricardo Kotscho

Em mais uma tentativa de ver o por do sol no Barracuda, o bar do meu amigo Cotô na areia de Toque Toque Pequeno, já sem muita esperança com a cara feia do céu, levei para ler a última edição da revista piauí.
Escrita por um dos melhores jornalistas que conheço, o Mario Sergio Conti, autor de Notícias do Planalto (Companhia das Letras), ex-diretor de redação da Veja e agora da piauí, a matéria é pequena e vale a pena ser lida para entender um pouco desta dura e delicada relação do presidente Lula com a imprensa.
São só três páginas – duas de texto, na verdade, porque numa só tem foto e título –, mas faz um bom resumo do assunto, que acompanho desde o surgimento de Lula como líder sindical lá no ABC paulista dos anos 1970, passando pelas campanhas presidenciais até os dois primeiros anos do governo dele, quando fui seu Secretário de Imprensa.
Esta sempre foi uma relação de amor e ódio, dependendo da posição do jornalista na hierarquia das redações, já que tudo o que ele e o PT representavam vinha na contramão do pensamento único dominante na cúpula da grande imprensa brasileira.
"Está tudo na internet"
Lula tinha uma boa relação com o chamado baixo reportariado que acompanhou sua trajetória, mas levou tempo para ser aceito e pelo menos ouvido nos salões do poder da mídia – o que só aconteceu, após a criação do PT, durante a campanha de 1994 (com a honrosa exceção de Mino Carta, que sempre lhe deu espaço e atenção).
Na matéria de Conti, Lula repete o que já falou mil vezes: apesar de tudo, ele considera sua chegada à Presidência da República um "produto direto da liberdade de imprensa". Faz tempo que ele deixou de dar a jornais e jornalistas a importância que eles próprios se dão. Costumava me dizer que não governa pautado pela imprensa e que não adiantava a gente se aborrecer com o que era publicado. "Esquece, isso aí já foi, é notícia velha."
Lula revelou a Conti que nunca se preocupou muito com isso "porque eu acredito na inteligência de quem assina uma revista ou um jornal, de quem vê televisão e escuta rádio", querendo dizer que o público não é burro e sabe separar o joio do trigo, informação de boa ou má-fé.
Além de tudo, nota que houve uma democratização das informações ao longo do seu governo, acabando com os antigos monopólios de formadores de opinião, graças ao desenvolvimento tecnológico – em outras palavras, com o crescimento da internet.
"Hoje a informação é mais plural. Não tem mais a informação de tal revista ou de tal jornal. Quando o cidadão pega o jornal de manhã, ele já viu aquela notícia na televisão, na noite anterior, já ouviu no rádio, já leu em vários blogs. Há 300 blogs com comentários diferentes, blogs de gente importante. Está tudo na internet", constatou na conversa com Conti.
Muito melhor
Mas Lula disse também que não costuma ler nem esta nova mídia eletrônica nem a velha de papel porque tem problema de azia. De fato, quando se dispunha a pegar um jornal ou revista, como candidato ou presidente, Lula procurava logo o caderno de esportes, mais particularmente o noticiário sobre o Corinthians.
Mesmo assim, ele é um dos caras mais bem informados que conheço por um simples e bom motivo: conversa o tempo todo com todo tipo de gente e vai filtrando as informações que podem ser úteis para a sua tomada de decisões. Em vez de ler o que fulano disse na imprensa, chama o fulano e conversa diretamente com ele, quer dizer, não recebe informações de segunda mão, mas direto na fonte.
Até hoje ele me critica ao me ver lendo jornais ou o clipping da Radiobrás, que faz um resumo das notícias do dia para as autoridades do governo, quando passo algum fim de semana com ele no Alvorada ou no Torto. "Fica aí perdendo teu tempo, se intoxicando… Vamos andar um pouco", recomenda, e já vai me puxando pelo braço.
Quando Lula quer saber hoje o que os principais líderes mundiais fazem ou pensam fazer diante da crise econômica, por exemplo, não pede um relatório ao Itamaraty ou um resumo do New York Times ao Franklin Martins. Liga para eles.Por falar nisso, sou obrigado a reconhecer que melhorou muito a relação de Lula com a imprensa depois que eu saí de lá e o meu velho amigo Franklin Martins assumiu o comando da comunicação do governo…

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

O caso "Azia do Presidente", segundo Alberto Dines

AZIAS & ALKA-SELTZER
Bem-vindo ao Observatório, presidente!

Por Alberto Dines em 13/1/2009

O ano começou com um bom debate. Debate sobre a imprensa na imprensa é coisa rara desde o momento em que o assunto foi expurgado pelo pool da grande mídia. E neste comecinho do ano, com metade do país em recesso e a outra metade na sombra, o desempenho da imprensa foi discutido pelo presidente da República em pessoa!

O pronunciamiento está na edição de janeiro da excelente piauí (págs. 18-20), a revista mais bem escrita e mais bem editada do Brasil. Esvoaçou pelos jornais (apenas o Estado de S.Paulo comentou em editorial, em 8/1), azedou o humor de poucos colunistas e até provocou a inédita republicação em versão integral (OI e Folha Online, em 9/1, e O Globo, em 10/1, pág. 8).

A reprodução de O Globo veio acompanhada pela informação de que a versão completa foi distribuída pelo Planalto. Não é verdade: as íntegras de todas as manifestações do presidente são disponibilizadas no site da Secretaria de Imprensa da Presidência da República, vinculada à Secretaria de Comunicação Social (Secom).

O assunto morreu e ninguém tentou exumá-lo. O presidente de uma república democrática afirma solenemente que "a imprensa brasileira tem um comportamento histórico em relação a mim", acrescenta que não lê jornais ou revistas "por que tem problemas de azia", anuncia a obsolescência da mídia impressa diante da internet e ponto final, estamos conversados.

"Questões mercadológicas"

Não estamos: o cidadão-leitor ficou preocupado com a azia (ou pirose) presidencial. Lula vai bem, obrigado, a saúde está ótima, a qualidade das metáforas é que caiu ligeiramente. E o bordão "ou seja" usado com tanta freqüência prejudica a compreensão da frase que pretende explicitar.

O texto da piauí registra que Lula repetiu duas vezes a afirmação de que a sua ascensão à presidência "é produto direto da liberdade de imprensa" e foi enfático ao dizer que não precisa da imprensa para informar-se: "Um homem que conversa com o tanto de pessoas que eu converso por dia deve ter uns trinta jornais na cabeça todo santo dia... Não há hipótese de eu estar mal informado".

O presidente listou alguns pecados clássicos da imprensa (Escola Base etc.), citou distorções e os casos em que foi obrigado a agir judicialmente contra veículos jornalísticos (Folha de S.Paulo e Rede Bandeirantes). Não há má-fé, segundo Lula, apenas "questões mercadológicas". Sensacionalismo, conclui o autor da matéria Mario Sergio Conti, diretor do mensário desde a sua criação.

Sem embargos

A parte final da entrevista consistiu numa espécie de miniprêmio Esso às estrelas do colunismo conferido pelo chefe da nação. O repórter citava um nome e o presidente sapecava a sua nota. A matéria de piauí reproduziu todos os nomes e respectivos pareceres. Omitiu Mino Carta, não é justo.

A grande verdade é que a matéria de piauí é menos importante pelo que publicou e muito mais pelo que deixou de publicar. Mario Sergio Conti é um dos mais competentes editores de revista do país e certamente tem argumentos para explicar porque uma entrevista exclusiva concedida por um presidente da República tão avesso a entrevistas pessoais sofreu tamanho corte. Tamanha manipulação – esta é a palavra.

O autor da entrevista deve esta explicação à sociedade, aos demais jornalistas, aos historiadores. O que diz um presidente da República num encontro formal, agendado e gravado, não pode estar sujeito a embargos de qualquer natureza. Faz parte da história.

Saldos e balanços

A entrevista aconteceu no dia 18 de dezembro, véspera das festas de fim de ano. A edição de janeiro deveria estar nas bancas na primeira semana útil do ano e, certamente, só ficaram abertas aquelas três pagininhas. O que fazer – reabrir a edição correndo o risco de atrasar a distribuição ou adiar a publicação para fevereiro?

Óbvio, ululante: não se amputa um pronunciamento presidencial. Sob nenhum pretexto. Mesmo que entre entrevistador e entrevistado existam vínculos pessoais, antigas empatias, a função social do jornalista obriga-o a ser rigorosamente fiel ao que foi dito e ouvido. Fiel no tocante ao teor e fiel no tocante à extensão. Um jornalista não tem mandato para avaliar ou eliminar partes de uma manifestação presidencial. A não ser que esteja a serviço do governo. Não é o caso.

A versão publicada pela piauí tem no máximo um terço da íntegra divulgada pela Secom. Justifica-se uma adaptação do texto à linguagem escrita, justificam-se cortes de palavras (ou palavrões) inaudíveis. Injustificável foi a severa compressão. Ou supressão.

Pela íntegra (ver "Presidente com azia da imprensa") percebe-se que o presidente Lula não quer brigar com a imprensa enquanto instituição. É um extraordinário avanço, admirável trabalho de pacificação empreendido pelo ministro Franklin Martins (que num dos momentos da versão impressa aparece como "ministro Franklin de Oliveira"; tudo bem, lembrar o admirável Franklin de Oliveira é sempre oportuno).

Enquanto evita o confronto institucional com a mídia, Lula mostra que não engole certos jornalistas. Daí a azia. Está no seu direito gostar ou não gostar de alguém. O que não pode é manifestar publicamente as antipatias. Equivale a veto, soa como ameaça.

Saldo do episódio: perdeu-se formidável oportunidade de promover um grande e salutar debate sobre a nossa imprensa. Fomos todos relegados à esfera gástrica. Não merecemos.

O presidente está tinindo. Pronto para participar do Observatório da Imprensa. Vai gostar: as entrevistas não são editadas.

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Num dos trechos eliminados, o presidente Lula rebate a acusação de que o governo ajuda pequenos veículos com grandes verbas de publicidade oficial. Lula alega que a distribuição de verbas obedece a critérios técnicos, não há privilégios. "Não é assim que eu trabalho."

Na última edição de CartaCapital foram publicadas 11 páginas de anúncios: seis pagas por entidades federais e governos estaduais do PT: 54,5%.

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Para entrar no clima da piauí, mensagem aos companheiros do watch-room do Planalto: este observador é admirador de Lev Davidovitch Bronstein desde o início dos anos 1950. E enquanto espera o entrevistado poderá trocar alguns dedos de prosa com Clara Ant em idisch (e não iídiche)