segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Efeitos de Uma Greve

Universidade do Estado do Rio de Janeiro sente as conseqüências de uma paralisação marcada por manifestações conturbadas

por Átilas Campos, Hugo Mirandela e Marcos Vinícius do Nascimento

ESCUTE UM PODCAST COM OS DEPOIMENTOS DE ALGUNS ALUNOS SOBRE O ESTADO DA UERJ APÓS A GREVE



Um desafio cotidiano
Problemas na infraestrutura do Campus Maracanã já fazem parte da rotina de alunos, professores e funcionários

Uma comunidade com 23.311 alunos, 1.834 professores e 3.374 funcionários vivendo um período pós-greve e sofrendo com problemas de infraestrutura. Essa é a situação que a Uerj se encontra no início de 2009. A universidade, que é dirigida por pouco mais de um ano pelo reitor Ricardo Vieiralves, ainda não conseguiu espantar esses fantasmas que a aterrorizam há anos.

Em setembro de 2008, mais uma vez uma greve de docentes e funcionários atingiu a Uerj e durou cerca de dois meses. Durante esse período, a reitoria da universidade foi ocupada pelos estudantes, que reivindicavam diversas melhorias, entre elas o repasse de mais verba do Governo do estado do Rio para a instituição. E até o vestibular chegou a ficar ameaçado.

Com uma área construída de 699,100 m² de campi universitários, a Uerj tem muitos problemas de infra-estrutura, que às vezes, além de não acomodar adequadamente as pessoas, ainda colocam estas em perigo.

No principal Campus da Uerj, Francisco Negrão de Lima, problemas de infra-estrutura podem ser vistos em muitos lugares. Em 2007, um incêndio atingiu o Pavilhão João Lyra Filho. E no local, existem goteiras, vazamentos e a fiação elétrica, em alguns pontos, está exposta. Até um pedaço de reboco de uma das passarelas caiu em 2006. Fatores que deixam em perigo a vida da comunidade que utiliza o Campus.

E em todo esse “caos” de estrutura, um ponto se destaca: os banheiros. Em todos os andares, é possível contar nos dedos os sanitários que são limpos, possuem papel, não tem goteiras, forro do teto caindo, enfim, condições adequadas de uso. Os banheiros do Bloco F foram reformados, devido às obras de reconstrução da área atingida pelo incêndio.

A sala de aula, um dos lugares mais importantes da universidade, também não está livre dos problemas estruturais. Em diversas delas, não há iluminação necessária e muito menos ventilação. Os ventiladores não funcionam, e nas que possuem condicionador de ar, pode-se ver que os aparelhos estão desinstalados.

Essas são as complicações que as pessoas enfrentam nas suas atividades na Uerj. As paralisações dessas atividades têm se tornado comum durante os últimos anos. Em 2007 aconteceu o incêndio, em 2008 a greve e no começo de 2009, em janeiro, houve um problema em uma tubulação, que foi perfurada por uma máquina usada na obra do estacionamento, fechando o Campus Negrão de Lima por três dias.

Em meio a todos os problemas, assumiram no início de 2008 o reitor Ricardo Vieiralves, e a vice-reitora Christina Maioli. E logo no primeiro ano do mandato, eles enfrentaram uma greve dos professores e funcionários, além da ocupação da sala da reitoria pelo movimento estudantil da faculdade, que cobrava entre outras coisas, a construção do bandejão universitário e melhorias para os estudantes. Como benefício para os alunos, a atual reitoria conseguiu a extensão da bolsa para os cotistas por todo o período da sua formação na Uerj.


Greve na Universidade
Por reajuste salarial, professores paralisam suas atividades por pouco mais de dois meses.

A Uerj atravessa grave crise entre seus docentes. Convivendo há muito com sérios problemas em sua estrutura, a universidade assiste agora a um processo de evasão no seu quadro de professores. A perda dos profissionais, desestimulada pela falta de investimentos do governo, coloca em risco o futuro do ensino na Uerj. “A nossa preocupação não é só com relação à nossa vida financeira pessoal. O que temos visto é a perda de docentes na universidade para outras instituições e com isso a gente corre o risco de a Uerj diminuir a qualidade de pesquisa, extensão e ensino”, diz Inalda Pimentel, presidente da Associação dos Docentes da Uerj (Asduerj). “A Uerj tem perdido profissionais até para empresas que vem procurar na universidade essa mão de obra qualificada que são os nossos docentes”, continua Inalda.

A categoria dos professores, que permaneceu sete anos sem reajuste salarial, se vê cada vez mais atraída pelas melhores oportunidades de trabalho das universidades federais e privadas. Hoje, um professor recém-integrado à universidade estadual recebe em torno de R$ 2.500,00 (valor já reajustado em dezembro de 2008), enquanto um docente do mesmo nível na UFRJ tem um salário em torno dos R$ 3.000,00.

Esse quadro de desvalorização fez com que os professores dessem início à paralisação de suas atividades no dia 15 de setembro de 2008. Entre as reivindicações estavam a reposição das perdas salariais ao longo dos sete anos sem aumento (defasagem de 66%), o repasse dos 6% da receita tributária líquida do Estado à Uerj (prevista em lei) e a criação do sistema de trabalho em dedicação exclusiva.

Nós, docentes, sabemos como é prejudicial para os alunos, para as atividades na universidade, uma greve. Todo trabalhador consciente sabe que a greve é o último recurso, mas não tivemos opção”, afirma Inalda Pimentel, que esteve à frente de todas as manifestações de greve. Esse período foi marcado por diversos atos públicos de contestação à política do governo do Estado em relação à universidade. Nas manifestações eram cobradas as promessas feitas por Sérgio Cabral, durante sua campanha para governador em 2006. O então candidato chegou inclusive a mencionar a Uerj como “jóia da coroa”. No entanto, após assumir a cadeira de governador, uma das primeiras medidas de Sérgio Cabral foi cortar R$ 35 milhões do orçamento da universidade.

Diante da mobilização grevista, o governador propôs um plano de carreira docente (PCD) para ser aprovado na Assembléia Legislativa do Estado (Alerj). O plano, contudo, estabelecia reajustes diferenciados para os distintos níveis do quadro docente e não fazia menção alguma à dedicação exclusiva.

O movimento docente mobilizou-se, então, no sentido de corrigir as imperfeições do plano enviado à Alerj. Teve início uma jornada de lutas que visavam a inclusão de emendas ao PCD. Os professores cobravam economia na concessão de reajuste, ou seja, o mesmo percentual de aumento para todos os níveis da categoria. Após várias assembléias, a Alerj, decidiu aprovar o plano de carreira docente para a Uerj. Com essa medida, no dia 27 de novembro de 2008, a greve dos docentes foi suspensa e eles voltaram às suas atividades normais no dia 1° de dezembro de 2008.



Uerj após a greve
Alunos e professores sentem a dificuldade de associar tempo com conteúdo

Depois de todo esse período conturbado na universidade, as atividades voltariam ao seu funcionamento normal. Isso, pelo menos, na teoria. Na prática, a história não é bem assim. O período de greve na Uerj representou um atraso de dois meses no calendário acadêmico, fazendo com que, por duas vezes ainda, a universidade paralisasse suas atividades (nas festas de fim de ano e no carnaval), o que faz com que o tempo de aulas seja reduzido.

Os alunos e professores têm ainda que conviver com um problema exclusivo da universidade: o calor que aumenta no Pavilhão João Lyra Filho por conta do verão no Rio de Janeiro. Tendo que estudar em janeiro, os alunos têm que se acostumar com a situação em salas sem ar condicionado em sua maioria e muitas vezes com problemas de falta de água (como o problema já mencionado na tubulação, que provocou a falta de abastecimento de água no Campus Maracanã).

Estudar no que seria o período de férias traz alguns prejuízos a alguns alunos. “A greve foi bastante prejudicial para mim, principalmente porque na outra faculdade eu estou em processo de monografia”, conta Camila Walter, de 21 anos, aluna do 2° período de Relações Públicas na Uerj que está também no último período de História na Unirio. Já para Carmen Silva, de 19 anos, moradora de Nova Friburgo e estudante de Jornalismo, a greve representou uma mudança brusca na sua rotina. “Quando vi que a greve estava ficando longa, resolvi voltar para casa para trabalhar no mês de dezembro, em alguma loja. Fui para lá e na semana seguinte a greve acabou. Perdi dinheiro, voltei para ter aulas e não vi muito lucro”, conta. Para Carmen, as aulas também não foram produtivas nesse período pós-greve. “Fiquei desestimulada. Achei que quando a greve acabasse iríamos ter aula normalmente. Na minha perspectiva foi um período perdido, porque muitos professores continuaram faltando e davam a matéria de qualquer maneira".

O conteúdo do que é passado é o que mais preocupa aos alunos. “O conteúdo é passado com pressa, e fica desalinhado com o calendário, ou seja, fica tudo uma bagunça e desordem.”, conta Diego Lima, aluno do 2° período de Administração. Já para Priscila Catalão, aluna do 4° período de Letras, o ritmo é o que mudou após a greve. “O conteúdo é o mesmo, o ritmo que diferenciou. Todos os professores querem terminar suas respectivas matérias rapidamente. Logo, são várias provas e trabalhos para as mesmas datas, ritmo mais frenético do que nunca. Nós, alunos, pagamos duplamente pela greve”.

Mesmo que tenha sido um período conturbado, alguns professores consideram um período vitorioso: “Por mais que seja ruim para toda a comunidade Uerj, são os direitos de toda uma classe de trabalhadores que foram defendidos durante a greve, e é isso que a maioria não entende.”, diz o professor André Valente, do Instituto de Letras da Uerj.


Um futuro incerto
Uerj se prepara para receber novos alunos em abril. Calendário foi atrasado em dois meses.

2009 se iniciou na Uerj com muitas obras de revitalização do Campus Maracanã. De acordo com o portal oficial da Prefeitura do Campus (www.prefeitura.uerj.br), só no mês de janeiro foram concluídas e/ou iniciadas 14 diferentes obras, incluindo a recuperação da fachada do Pavilhão João Lyra Filho, impermeabilização de cisternas, reformas no laboratório de pós-graduação em odontologia, entre outras. Em fevereiro, duas novas obras foram iniciadas, incluindo uma reforma em um dos prédios que incorporam o Hospital Universitário Pedro Ernesto, que já foi palco de vários acidentes de infraestrutura.

Essas obras de melhoria no campus vêm a mostrar que a universidade está disposta a atender melhor à sua comunidade. No dia 20 de abril de 2009, a Uerj vai receber os aprovados no Vestibular 2009, para início do período letivo de 2009.1. Os novos calouros vão encontrar uma universidade que tenta se reerguer de uma crise mas que se mostra disposta a enfrentar novos desafios e continuar a excelência acadêmica.

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